Projeto Ubuntu Café nasce em São Paulo com foco de apresentar a potência e oportunidades do café para jovens em áreas periféricas
Sempre maior produtor e exportador de café do mundo, há cerca de 20 anos o Brasil está vendo o cenário para a cadeia dos cafés especiais avançando, seja em termos de produção ou de consumo no mercado interno. Ainda assim, é utopia imaginar que o produto está disponível para todas as classes sociais.
Com custo mais elevado do campo até a xícara, o café especial caminha a passos lentos para polarização da bebida no país. Mas, “do outro lado da ponte” os projetos sociais envolvendo desde a planta de café até à xícara, são os grandes responsáveis para apresentar o imenso universo de oportunidades existente através do café.
Nascido e criado em uma zona periférica na cidade de Contagem, em Minas Gerais, Ronaldo Soares viu a própria trajetória sendo mudada com café e agora trabalha para que outros jovens, também de áreas periféricas, possam transformam as próprias realidades através de uma xícara de café.
No entanto, para entender como tudo começou, é preciso traçar uma linha do tempo. O jovem que perdeu a mãe ainda na infância, aos seis anos, foi criado pela avó que também carregou no seu DNA as características de um empreendedorismo social com foco nas pessoas da comunidade aonde estava inserida.
A avó morou na rua até aos 16 anos, foi adotada com essa idade, ganhou um terreno no bairro Areia Branca, área periférica da cidade e ali cedeu o espaço para a construção de uma igreja. E posteriormente o espaço também foi utilizado para aplicação de aulas para as crianças da comunidade.
“Minha vó começou a cuidar de crianças. Quem podia pagar, pagava. Quem não podia pagar, quem não podia fazia uma faxina, mas em muitos casos as famílias não voltavam, então minha família biológica é bem grande. Eu cresci nessa atmosfera de trabalhar desde cedo, de cuidar dos mais novos. Minha vó foi uma grande empreendedora social. Eu venho dessa realidade, mas antigamente as pessoas não davam nome, as pessoas não tinha conhecimento do que elas faziam”, conta Ronaro.
Foi vendo a avó trabalhando em prol de outras pessoas e acreditando que era esse o caminho que naturalmente ele acabou seguindo os mesmos passos, apesar de todas as dificuldades que iam desde a infraestrutura até a alimentação de todos que ali cresciam. “Com pouco minha vó fez muito. Minha vó faleceu quando eu tinha 17 anos, fiquei sozinho já que ela era a base, estrutura da minha família e cada um foi seguindo. Foi muito difícil. Lembro que eu comecei fazer faculdade e tive que trancar porque não tinha condições de pagar”, relembra.
Alguns anos depois, Ronaro cantava em uma igreja e conheceu uma família com uma situação financeira muito diferente do que ele tinha conhecido até aquele momento. Foi com essa família que, pela primeira vez, ele saiu de Minas Gerais e passou alguns dias em São Paulo. Aos 21 anos ele foi adotado por essa família e viu a própria realidade mudar.
“Morando com eles eu comecei a ter acesso a ferramentas e oportunidades que eu não tinha antes. Comecei a me desenvolver, fiquei uns três anos morando com eles e vim morar em São Paulo. Quando vim, já vim com emprego porque tinha um amigo que já trabalhava em uma cafeteria que tem fazenda, torrefação e fui para trabalhar no administrativo”, conta.
Foi ali, naquela cafeteria que ele entendeu a potência e oportunidades que poderiam existir naquela produção. Conheceu pela primeira vez uma fazenda de café e passou a se interessar um pouco mais pela cafeicultura. “Eu comecei a fazer uns cursos e em troca do pagamento eu tirava algumas fotos. Então eu fazia os cursos de cupping e fazia essa troca, assim comecei a estudar”, comenta.
Na correria do dia a dia, Ronaro nem percebeu que já estava ajudando outras pessoas com workshops sobre métodos de preparo. O “ensinar” outros jovens foi acontecendo de forma natural até que ele foi trabalhar em uma cafeteria que tinha como prioridade a contratação por gênero e etnia.
“Foi a minha primeira experiência com café e com pessoas em vulnerabilidade social. Foi ali que comecei a ter essas experiências e conectar essas pessoas. Depois a gastronomia periférica me chamou para trabalhar com eles e é um projeto de gastronomia que forma pessoas no Brasil inteiro, eles dão todo suporte para eles participarem das aulas de gastronomia de café”, conta.
Foi a partir desse projeto que ele passou a enxergar o café como uma ferramenta de mudança de social. “Comecei a estudar sobre empreendedorismo social, participei de algumas experiências, com pessoas referências nas áreas. E comecei a desenvolver o meu projeto social que chama Ubuntu Café porque essa é a minha experiência. O café transformou a minha vida, porque acham que porque fui adotado que eles pagam as minhas contas, mas não é isso. Eu sempre paguei as minhas contas, eu só deixei de pagar aluguel e passei a pagar coisas que me trazem acesso a outras ferramentas e oportunidades”, afirma.
O Ubuntu Café nasceu em um momento em que o Ronaro, inserido nesse universo, percebeu que era um mercado em expansão. “Eu falei: por que não criar um projeto que traz formação técnica na área de café. Eu sei que já tem, mas conversei com pessoas que já fazem projetos sociais dentro da área do café no Brasil e todas elas me incentivaram, me fizeram enxergar que realmente tem demanda, que a gente precisa e a formação no café é rápida e barata”, comenta.
O projeto é composto por nomes referências no cenário do café especial para administrar essas aulas, mas também por pessoas que vieram de situação de vulnerabilidade e agora estão aptas para apresentar esse mercado de trabalho para novas pessoas. “Eu montei esse projeto que é para trazer formação técnica para pessoas em áreas de periferia. Essa formação vai durar três meses, com uma aula por semana e eles conseguem ir acompanhando da própria casa”, comenta.
Apresentar o café além da xícara é o primeiro módulo do projeto e na sequência esses alunos também são apresentados ao mercado de trabalho. Segundo Ronaro, nessa segunda etapa é neste momento é que eles passam a ter uma visão geral do mercado, podendo ir além do barismo. O curso também reserva um espaço especial para falar sobre empreendedorismo social, justamente para mostrar a necessidade de projetos com esse perfil.
“Eu vim de uma periferia e foi um longo caminho para chegar até aqui. Primeiro eu vivi isso, depois eu desenvolvi isso para ajudar essas pessoas”, afirma. A primeira turma terá 20 aulas, para alunos de São Paulo. A escolha do estado foi justamente pela proximidade que Ronaro consegue ter com essas áreas, o que vai facilitar o acompanhamento, mas a ideia é ampliar o projeto para outros estados e inclusive para países de origem africano que falam a língua portuguesa.
“Eu quero atuar com o Brasil e com alguns países no continente africano porque o café está crescendo. Nós sabemos das oportunidades, mas não é fácil, é preciso muito trabalho para alcançar esses voos. O café ele é uma ferramenta de mudança social, é a minha experiência, funcionou muito para mim e eu já funcionando na prática para muitas pessoas. Não é só uma formação no café, é uma história: ancestralidade, política, economia, ferramenta social, tudo isso é o café”, complementa.
A importância dos projetos sociais com o café
O Brasil é o maior produtor de café do mundo e apesar de estar na rotina do brasileiro tomar pelo menos uma xícara de café por dia. Neste sentido, os projetos sociais ganham ainda mais peso com foco em apresentar para outras pessoas a realidade de produção e potência da bebida.
Ele comenta ainda que a ideia é que eles conheçam essa outra realidade, além do café tradicional. “É entender que existe esse outro universo. Não é para parar de consumir esse café de todos os dias, mas é saber que você tem essa outra oportunidade, possibilidade. E não pode ser nada imposto porque não é tão acessível, mas todos merecem conhecer esse outro universo”, complementa.
O projeto está sendo lançado oficialmente neste mês de maio e tem então como principal objetivo apresentar essa realidade e empregar novos profissionais do café, que é de fato um mercado que está em ascensão no Brasil. Na produção, os cafeicultores nas mais de 30 regiões produtoras do país, estão virando a chave para a qualidade e na cidade, os jovens vêm impulsionando o consumo da bebida dentro e fora do lar.
“Projetos sociais no mundo do café são de uma importância imensa, pois o café ele é um produto feito por muitas mãos, numa jornada longa e dentro de uma cadeia complexa. Ao passar por muitos profissionais e envolver todos eles de forma muito intensa, o café muita vezes ele chega para ser consumido sem dar valor e visibilidade para essa trajetória. Então os projetos sociais eles são um resgate minucioso dessa jornada, eles aproximam os elos e apertam os nós que vão se afrouxando ao longo do processo”, complementa Mariana Proença, jornalista especializada em café e que há 20 anos acompanha o desenvolvimento da cadeia de ponta a ponta no país.
Ela complementa ainda que apesar dos projetos atuarem em etapas específicas da cadeia do café, todos eles acabam apresentando todas as etapas do café, o que enriquece a visão da população na construção desse produto, valorizando cada passo e cada pessoa que participou desse projeto.
Para saber sobre o Ubuntu Café basta acessar o Instagram do projeto. Vale destacar que apesar do lançamento oficial, Ronaro ainda busca voluntários para atender as mais variadas demandas dentro do projeto social e fazer com a potência do café chegue cada vez mais nas áreas periféricas, apresentando e ajudando a mudar a vida de novos jovens através da xícara.
Por: Virgínia Alves
Fonte: Notícias Agrícolas
Assessoria de Comunicação
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